domingo, 22 de junho de 2025

Perda de velocidade nas séries próximas da falha

 


Vários estudos demonstraram que, quando as séries de treinamento de força são realizadas mais próximas da falha muscular, a intensidade da fadiga experimentada durante o treino (fadiga peri-treino) é maior. Isso pode ser observado registrando a perda de velocidade durante as repetições de esforço máximo.

Esse é um ponto central da fisiologia do treinamento de força moderno.

O fato de perder velocidade nas repetições ao se aproximar da falha reflete principalmente um acúmulo de fadiga neuromuscular aguda. Vários mecanismos interagem nesse processo, mas podemos resumir os principais assim:


1️⃣ Fadiga central (neural)

  • Há redução da capacidade do sistema nervoso central (SNC) em enviar impulsos máximos aos músculos.

  • Redução do “drive cortical” para unidades motoras de alta limiar.

  • Isso leva a menor recrutamento e menor frequência de disparo dos motoneurônios.

  • Resultado: menos unidades motoras ativas para gerar força — e a velocidade da repetição cai.

Referências: Gandevia (2001), Taylor et al. (2006)


2️⃣ Fadiga periférica (intramuscular)

  • Dentro do músculo, ocorre:

    • Acúmulo de metabólitos (H⁺, Pi, ADP, lactato).

    • Disfunção na liberação/recaptura de cálcio no retículo sarcoplasmático.

    • Redução da sensibilidade do aparato contrátil ao cálcio.

    • Menor eficiência do ciclo de ponte cruzada actina-miosina.

  • Tudo isso reduz a capacidade contrátil das fibras ativas, diminuindo a força produzida em cada repetição.

Referências: Allen et al. (2008), Westerblad et al. (2002)


3️⃣ Desacoplamento neuromecânico

  • Mesmo que o SNC envie comandos, o sistema muscular começa a responder de forma menos eficiente.

  • As pontes cruzadas demoram mais para gerar força.

  • A resultante é queda progressiva na velocidade de movimento.


4️⃣ Feedback aferente (inibição reflexa)

  • Receptores sensoriais musculares (como os III e IV aferentes) detectam acúmulo de metabólitos e tensão elevada.

  • Enviam sinais inibitórios para o SNC → redução da ativação motora como proteção contra dano.

  • Contribui para a redução na velocidade de execução.

Referências: Amann & Dempsey (2008)


🔑 Resumo final:

A perda de velocidade ao longo das séries próximas da falha é principalmente causada por interação de fadiga central e periférica, com papel dominante:

✅ Central → Redução de drive neural
✅ Periférica → Acúmulo de metabólitos, falha no acoplamento excitação-contração
✅ Feedback aferente → Inibição reflexa protetora



terça-feira, 17 de junho de 2025

Entendendo os Coeficientes Wilks, Reshel e Sinclair no Powerlifting e LPO


Entendendo os Coeficientes Wilks, Reshel e Sinclair no Powerlifting e LPO

No mundo dos esportes de força, como o Powerlifting e o Levantamento de Peso Olímpico (LPO), comparar o desempenho de atletas de diferentes pesos corporais é um desafio constante. Afinal, levantar 200 kg sendo um atleta de 60 kg tem um impacto fisiológico diferente de levantar o mesmo peso com 120 kg. É aí que entram os coeficientes de ajuste, que permitem uma comparação mais justa e objetiva entre atletas de diferentes categorias. Entre os mais conhecidos estão o Wilks e o Reshel (usados no Powerlifting), e o Sinclair (usado no LPO).

Por que precisamos de coeficientes?

A força muscular não cresce linearmente com o peso corporal. Ou seja, um atleta com o dobro do peso corporal de outro, normalmente não consegue levantar o dobro de peso. Os coeficientes consideram essas variações fisiológicas e antropométricas, e tentam estabelecer uma relação matemática que permita comparar atletas de categorias distintas, premiar o "melhor levantador" da competição de forma mais justa e avaliar performances ao longo da carreira.


Coeficiente Wilks (Powerlifting)

O Wilks Score, criado por Robert Wilks, foi por muitos anos o padrão mundial no Powerlifting (inclusive em federações como IPF, GPC, WPC, etc). Ele calcula um fator baseado no peso corporal do atleta, que ajusta o total levantado (soma de agachamento, supino e levantamento terra).

A fórmula do Wilks utiliza uma equação polinomial com coeficientes específicos para homens e mulheres, baseados em grandes bases de dados de performances passadas.

Exemplo de uso:

  • Atleta A: 90 kg de peso corporal, total de 700 kg.

  • Atleta B: 60 kg de peso corporal, total de 600 kg.

Ao aplicar o Wilks, muitas vezes o atleta mais leve pode obter um score superior, mesmo levantando menos peso absoluto.

Críticas ao Wilks:

  • Com o tempo, a fórmula foi criticada por favorecer certas categorias.

  • Não acompanhava a evolução dos recordes e o crescimento das federações.

  • Em 2020, algumas federações passaram a adotar outras fórmulas como o IPF GL (Goodlift) ou DOTS, considerados mais modernos e precisos.


Coeficiente Reshel (Powerlifting, especialmente em algumas federações e categorias máster)

O Reshel é um coeficiente menos conhecido, mas ainda utilizado em algumas organizações e categorias específicas, como em eventos máster. Sua lógica é semelhante à do Wilks, mas com uma fórmula própria de ajuste que, em alguns casos, oferece um equilíbrio melhor para atletas veteranos.

  • Leva em consideração não só o peso corporal, mas em algumas variações inclui também idade e sexo.

  • É mais comum em competições veteranas (Master), onde a idade começa a ser um fator limitante significativo para a performance.

Por ser menos difundido que o Wilks e o DOTS, o Reshel não é tão utilizado em campeonatos internacionais.


Coeficiente Sinclair (Levantamento Olímpico - LPO)

O Sinclair é o padrão global para o LPO (snatch + clean and jerk). Assim como o Wilks, ele busca neutralizar o impacto do peso corporal, permitindo comparar, por exemplo, um halterofilista da categoria 61 kg com um superpesado de 109 kg+.

A fórmula Sinclair é recalculada periodicamente pela Federação Internacional de Halterofilismo (IWF), com base nos recordes mundiais atualizados. Assim, ela se adapta à evolução do esporte.

Características do Sinclair:

  • Aplicado sobre o total obtido (Snatch + Clean & Jerk).

  • Possui uma constante (A) e um fator de correção (b) aplicados à fórmula.

  • Permite premiar o "best lifter" mesmo entre atletas de categorias bem distintas.

Exemplo:

  • Atleta 1 (61 kg) levanta 280 kg no total.

  • Atleta 2 (96 kg) levanta 350 kg.

Pelo Sinclair, pode ser que o atleta mais leve tenha melhor desempenho relativo, mesmo com menor total absoluto.


Conclusão

Os coeficientes Wilks, Reshel e Sinclair são ferramentas matemáticas essenciais para dar justiça e objetividade às competições de força. Cada um tem suas particularidades, vantagens e limitações, mas todos cumprem um papel importante:

  • Wilks: usado historicamente no powerlifting, especialmente até 2019.

  • Reshel: ainda aplicado em algumas categorias máster.

  • Sinclair: padrão do levantamento olímpico.

Entender esses coeficientes é importante não só para atletas, mas também para treinadores, árbitros e o público em geral, pois nos ajudam a enxergar a grandiosidade de performances que, muitas vezes, não são captadas apenas pelo peso absoluto levantado.