A Fase Excêntrica é Menos Importante para a Hipertrofia do que Acreditávamos?

 




A Fase Excêntrica é Menos Importante para a Hipertrofia do que Acreditávamos?

Durante muitos anos, a fase excêntrica dos exercícios de força (aquela em que o músculo alonga sob carga, como ao descer o peso em um supino) foi considerada essencial — se não a principal — para estimular a hipertrofia muscular. No entanto, pesquisas recentes vêm questionando essa visão tradicional, sugerindo que a importância da fase excêntrica pode ser menor do que se pensava, especialmente quando consideramos a ativação muscular e o recrutamento de fibras durante o movimento.


Diferenças neuromusculares entre contração concêntrica e excêntrica

Quando realizamos uma contração concêntrica (ex.: elevar a barra no supino), o músculo encurta sob tensão. Já na contração excêntrica, o músculo alonga sob carga (ex.: abaixar a barra controladamente).

Diversos estudos mostraram que, para produzir a mesma força absoluta, o número de fibras musculares ativamente recrutadas na fase excêntrica é consideravelmente menor do que na fase concêntrica. Estudos de eletromiografia (EMG) consistentemente relatam menor ativação elétrica muscular durante a fase excêntrica de um exercício convencional.

Por exemplo, Enoka (1996) observou que “aproximadamente metade das fibras musculares é ativada durante contrações excêntricas, em comparação com contrações concêntricas, para uma mesma força desenvolvida”. Essa diferença ocorre principalmente porque o componente passivo dos músculos e a maior eficiência dos elementos elásticos (como os filamentos de titina) assumem maior parte da carga durante o alongamento sob tensão (Herzog, 2014; Powers et al., 2020).

Essa observação tem implicações importantes: se há menos fibras sendo ativamente recrutadas, há potencialmente menos estímulo metabólico e de fadiga aguda, dois fatores frequentemente associados à sinalização para hipertrofia.


"É provável que produzamos níveis mais baixos de ativação voluntária durante contrações excêntricas devido ao aumento da carga cognitiva que vivenciamos sempre que o cérebro se esforça para coordenar uma contração excêntrica desconhecida."

Chris Beardsley, 2025

 

 


Evidências recentes questionam a superioridade da fase excêntrica

Embora a fase excêntrica de fato permita maior força absoluta e frequentemente gere mais dor muscular tardia (DMT), sua eficácia isolada na promoção de hipertrofia muscular tem sido colocada em dúvida. Vários estudos recentes não encontraram diferenças significativas de hipertrofia entre protocolos que enfatizam a fase excêntrica ou concêntrica, desde que o volume de trabalho total seja equivalente.

Por exemplo:

  • Roig et al. (2009), em uma metanálise ampla, concluíram que a superioridade da fase excêntrica sobre a concêntrica para hipertrofia muscular é pequena e pode não ter relevância prática.

  • Schoenfeld et al. (2017) mostraram que, controlando o volume total e o esforço, ambas as fases produzem hipertrofia semelhante.

  • Wernbom et al. (2007) também destacaram que a magnitude da ativação (EMG) é um dos principais determinantes da adaptação hipertrófica, e não apenas o tipo de ação muscular.


O papel do estresse mecânico e metabólico

A hipertrofia muscular parece ser resultado principalmente de:

1️⃣ Tensão mecânica sustentada (ativação de fibras + magnitude de carga);
2️⃣ Estresse metabólico (produção de metabólitos, acidose muscular, edema celular);
3️⃣ Dano muscular (cuja relevância hoje é mais questionada).

Como a fase excêntrica apresenta menor ativação elétrica (EMG), menor fadiga metabólica durante o exercício e frequentemente menor número de fibras recrutadas para mesma carga, sua contribuição isolada pode ser limitada para hipertrofia (Schoenfeld, 2010; Haun et al., 2019).

Por isso, apesar da capacidade de produzir forças maiores em movimentos excêntricos, essa força "extra" pode não ser acompanhada por um estímulo hipertrófico proporcional, se menos fibras estão efetivamente participando da ação (Douglas et al., 2017).


Implicações práticas para o treinamento

  • Treinar ambas as fases sendo que a excêntrica de forma controlada e com sobrecarga progressiva continua sendo a melhor prática.

  • A exclusividade do treino excêntrico não parece oferecer grande vantagem hipertrófica em relação ao treinamento tradicional.

  • A manipulação do volume total, da proximidade da falha e da intensidade continua sendo o principal fator de progressão.

     

    Conclusão final 

    Embora a fase excêntrica continue sendo uma parte importante do treinamento de força, seu papel isolado na hipertrofia pode ter sido superestimado. O que importa, de fato, é o conjunto do estímulo mecânico aplicado às fibras musculares ativamente recrutadas, independentemente do tipo de ação muscular. 


Referências

  1. Enoka, R. M. (1996). Eccentric contractions require unique activation strategies by the nervous system. Journal of Applied Physiology, 81(6), 2339-2346.

  2. Herzog, W. (2014). Mechanisms of enhanced force production in lengthening (eccentric) muscle contractions. Journal of Applied Physiology, 116(11), 1407-1417.

  3. Powers, S. K., et al. (2020). Exercise Physiology: Theory and Application to Fitness and Performance. McGraw Hill.

  4. Roig, M., et al. (2009). The effects of eccentric versus concentric resistance training on muscle strength and mass in healthy adults: a systematic review with meta-analysis. British Journal of Sports Medicine, 43(8), 556-568.

  5. Schoenfeld, B. J. (2010). The mechanisms of muscle hypertrophy and their application to resistance training. Journal of Strength and Conditioning Research, 24(10), 2857-2872.

  6. Schoenfeld, B. J., et al. (2017). Effects of different volume-equated resistance training loading strategies on muscular adaptations in well-trained men. Journal of Strength and Conditioning Research, 31(12), 3059-3066.

  7. Wernbom, M., et al. (2007). The influence of frequency, intensity, volume and mode of strength training on whole muscle cross-sectional area in humans. Sports Medicine, 37(3), 225-264.

  8. Douglas, J., et al. (2017). Chronic adaptations to eccentric training: a systematic review. Sports Medicine, 47(5), 917-941.

  9. Haun, C. T., et al. (2019). A critical evaluation of the biological construct skeletal muscle hypertrophy: Size matters but so does the measurement. Frontiers in Physiology, 10, 247.

  10. McHugh, M. P. (2003). Recent advances in the understanding of the repeated bout effect: the protective effect against muscle damage from a single bout of eccentric exercise. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, 13(2), 88-97.



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